DE UM "RACHA ELEITORAL" À XENOFOBIA

06/11/2014 09:35

    A Tia Adélia, por todo seu carisma
enquanto humana  e nordestina.

   "Amigo preconceituoso do centro-sul,

tenha mais um pouco de noção.

Como você maltrata um nordestino

sem haver alteração.

Isso é visto como insanidade,

que  provoca intranquilidade,

alicerçada à falta de educação"


 

            Enquanto ser humano, é preciso reconhecer nossas particularidades, virtudes, limitações, que nos fazem sermos o que somos. Essa espécie enquanto sociedade, não é inerte, e seu processo de re-des-organização sempre será uma constância linear. Se tratando de uma singularidade humana, pode-se apontar a sua auto defesa pessoal. Todos nós, de uma determinada maneira buscamos nos proteger, com o voto não é diferente. Nossas interpretações são construídas de acordo a nossa vivencia e nas eleições expressamos isso com o intuito de exercermos a democracia e para isso fazemos prevalecer  à vontade da maioria, preta, parda, amarela, indígena, branca, mameluca, seja o que for. A disputa pelo cargo majoritário da instância superior da nação (Estado), naturalmente divide opiniões das mais diversas possíveis, construindo em cada uma, mais um capítulo na história do Brasil. Nas eleições presidenciais de 2014 a expressão de divisão mais lúcida apresentada pelo mapa do resultado no segundo turno foi a socioeconômica.

            É preciso ter clareza que "o dinheiro é a mola do mundo" e que as campanhas, de vereador a presidência da república, a monetarização inerente e triste é daquele candidato que acredita convencer a população com discursos, santinhos, propaganda, propostas e promessas somente. Há toda uma amarração, que perpassa de uma leitura social atual, que irá fazer uma massa de eleitores sair de suas casas, levantar
bandeira e defender o nome de determinada (o) candidata (o). O marketing, a publicidade, apoios de lideranças ligadas a diversas instituições políticas, são estratégias cruciais que fazem a população que vivencia o reino do
individualismo de classe, a se manifestar, expressar e consequentemente a apoiar determinada candidatura, tudo isso "irrigado" com muito capital. A campanha de Dilma Rousseff e Aécio Neves não fugiu dessas regras, que faz o eleitor continuar "utopisando" sonhos de construir um "jardim do éden" em quatro anos.

            Seríamos irreais se não reconhecermos diferenças nas duas candidaturas, que nos momentos de concretudes de políticas públicas fazem muita diferença na vida pessoal da população, sobretudo a não elite. O Nordeste expressou isso como marco na história desse país, com 70,18 % dos votos válidos para a candidata Dilma Rousseff, com uma maioria de mais de 12 milhões de votos, o que de fato, foi protagonista para a
reeleição da presidenta no segundo turno. O que levou uma região comandada pelo PFL/DEM historicamente, que deu superioridade absoluta ao Fernando Henrique nas suas duas eleições para presidente, ser crucial na eleição de 2014?

            O Nordeste historicamente foi uma região esquecida pelo Estado brasileiro (comandada por uma elite conservadora, preconceituosa e por isso, limitada em termos de conhecimento intelectual que busca lucrar sobre os mais pobres). Famintos e desnutridos, iletrados, trabalhadores braçais, migrantes, foram e são marcas do nordestino explícito na grande mídia brasileira. O modelo PTista de governar mudou a região, influenciando diretamente na vida da IMENSA maioria da população. Posso arriscar e dizer que na maior parte das políticas públicas basilares. Longe de estarem próximas ao ideal, mas para quem não tinha acesso a praticamente nada,
esquecida, isolada pelo Estado, foi muita coisa. Voltando a "defesa pessoal do ser humano", lembro que essa foi uma das questões que fizeram o nordestino desgarrar de um partido ULTRA CONSERVADOR como o PFL/DEM para apostar no PT. Longe de somente ser o Bolsa Família principal cabo eleitoral da Dilma no Nordeste. Mas para melhor entender, vamos arriscar uma cadeia "tosca" de votantes. A "massa" que votou na Dilma foi o ex faminto que recebe bolsa família, que vê seus filhos e seus netos comendo, que não assiste
ninguém mais morrer de fome em suas comunidades, que vê a presença dos estudantes aumentarem nas escolas, que assiste vários conhecidos terem acesso ao ensino técnico e superior, que vê seus amigos conquistarem suas casas, carros, celulares, viagens, percebe o aumento do crescimento do comércio local,
maior e melhor conservação das estradas etc. etc. etc. E o mais incisivo, lembrar que tudo isso não avançou, retrocedeu nos dois governos do PSDB, acompanhado de MUITA FOME.

            Isso marca para a grande mídia conservadora/preconceituosa/elitista do Brasil, apoiadora expressiva do
candidato Aécio Neves, liderada substancialmente pelos grupos da Rede Globo de Comunicações, Folha de São Paulo, Estadão, Editora Abril, Bandeirantes, Record e SBT, como um "racha eleitoral regional" no Brasil. Homogêneos no pensamento, eu diria discordando que o "racha" não foi regional e sim socioeconômico. Nos
grandes centros econômicos do centro sul, onde o Aécio possuiu maioria esmagadora dos votos, os eleitores de Dilma, em superioridade, foram os mais pobres. Não por que são menos letrados ("burros"), como afirmou o ex presidente FHC, mas sim por perceberem ou por acreditarem em um governo que pela primeira vez na história desse país olhou para a IMENSA massa pobre, de certa forma com muitas migalhas, mas para quem só "cuspia do doce", começar a "lamber", já é alguma coisa.

            Vamos refletir sobre aqueles que "degustam o doce", que possuem acesso à moradia, bairro saneado, veículos, diversidade de lazer, serviços de educação e saúde em diversos níveis, emprego e renda estáveis, enfim, bases para se viver nesse modelo urbano-industrial vigente. Historicamente, essa população foi o principal alicerce de votos do PT (população de classe média de médios e grandes centros), agora convergindo ao candidato Aécio Neves no Centro Sul. Ele ganhou nas regiões, estados e cidades mais ricas do Centro Sul, o que pensar sobre isso? Vamos excluir o Nordeste agora pela imensa maioria da população dessa vez desacreditar no discurso midiático/PSDBista, priorizando sua defesa pessoal. Vamos pensar naqueles que
não apoiaram o Aécio, nem o PSDB, nem a Marina Silva, foram anti PT.

A extrema maioria do eleitorado é desideologizado politicamente, descrente, aprisionado em um modo de vida que exige da sua pessoa tempo, esforços psíquicos e físicos, que o distancia dos espaços de debate responsáveis por alicerçar políticas públicas para sua melhor vigência, possuindo como principal meio de informação a grande mídia.

            O poder de captura do pensar do ser humano é debatido há tempos por intelectuais que buscam entender essa volatilidade do eleitorado. Na minha leitura, o eleitorado desideologizado tendencia acompanhar o discurso que mais lhe convém enquanto pessoa. É sabido que a ascensão inter e intraclasses no Brasil na última década, com o fortalecimento maior da elite, aliada ao capital financeiro e/ou produtivo expandindo-se como nunca "pelo Brasil a fora". Por que a classe média, principalmente nos médios e grandes centros do centro-sul tendenciou ao anti PTismo? A corriqueira desconstrução do PT antes e durante as eleições pela
mídia, o desejo de mudança transmitido pelas ruas em junho de 2013, o inchaço das médias e grandes cidades (aumento da violência e custo de vida, por exemplo) o anseio ilusionário da meritocracia transmitido pelos meios de comunicação, fizeram essa população des-ideologizada, presente "onde as coisas acontecem" e nas "terras de oportunidade", acreditar em uma mudança pregada pelo PSDB.

            Como correlacionar às eleições com a xenofobia? Não é de hoje que os "ataques" de xenofobia frisando os nordestinos acontecem. Todavia, com uma maior diversidade e acesso aos meios de comunicação, liderado pela internet com as redes sociais, isso se apresentou mais explícito, sobretudo em um momento que os nordestinos influenciaram diretamente no modo de vida do centro sul, na ótica de parcela da população,
como contribuição negativa. Isso não foi construído na campanha do Aécio Neves, o que ficou explícito é que essa posição preconceituosa se alastra a cada eleição, talvez o momento em que as pessoas com acesso a internet e redes sociais mais expressam seus sentidos. Não podemos pensar somente em "calor das eleições", é preciso refletirmos mais a fundo e pensar nesse sentimento que não é de hoje e sim de outrora.

Ao nordeste, deixo um recado, "riam daí que choramos daqui". Degustem suas residências, culinária, ritmos, sons, cordéis, poemas, danças, chapadas, rios, lagos, praias e, sobretudo a solidariedade do povo, que ainda é perceptível. Pelas terras onde o capital reina, esses privilégios são menores e a cada dia "os homens vivem como nunca fossem morrer e morrem como nunca estivessem vivido".


Por Tássio
Barreto Cunha*


Sertanejo Nordestino, ireceense/bunda vermelha.


 


Presidente Prudente-SP


Primavera de 2014

*Doutorando em Geografia (FTC)