O Carlismo, a Globo e a Desfaçatez

13/08/2014 07:32

Entendo, hoje, porque quando bem jovem, o meu pai* dizia que era melhor  que eu seguisse os estudos de História - mesmo sabendo das dificuldades em trabalhar na área de educação - a optar por jornalismo. Alertava-me: "o jornalismo, na maioria das vezes, funciona como uma indústria, fabrica ilusões, vende sonhos e mascara uma realidade concreta". Dentro dessa perspectiva pessimista, porém real, é que constata-se a relação entre o Carlismo e a Rede Globo, numa íntima convivência de prestação de serviços, contrapartidas e construção de um mito forjado na miséria e na exploração do povo baiano.

Antonio Carlos Magalhães, então ministro das comunicações do governo Sarney, suspendeu o pagamento das dívidas com a NEC - empresa de telecomunicações - levando-a à insolvência. Depois do ato sem justificativa plausível, a Globo passou a ter o controle acionário da empresa. Em contrapartida, ACM conseguiu a retransmissão da Globo para a TV Bahia, num claro ato de utilização do poder público para beneficiar interesses familiares, ferindo qualquer sentido republicano, próprio de práticas políticas oligárquicas. Utilizar-se de métodos intimidatórios, criar e armazenar dossiês sempre marcaram a vida política de ACM. Na votação que decidia a saída de Luiz Estevão do Senado, o velho coronel baiano comandou a "fraude do painél eletrônico do Senado" com o interesse de ter acesso a lista de votação identificando como os senadores votaram sobre a cassação de Luiz Estevão. A essa altura, ACM já estava desgastado com o governo Fernando Henrique e disputava politicamente com Jader Barbalho no Senado. Outro ponto a ser lembrado, num momento em que a imprensa discutiu intensamente o ilusório 'Mensalão", é a prática do "caixa-2". Enquanto "executaram" o PT, a maior parte da mídia foi benevolente com ACM e o caso da "Pasta Cor de Rosa", que envolveu  Banco Econômico e doações de campanhas. Lembrando que, naquele momento (1995), era proibida a doação de empresas para candidatos. Entre José Agripino, Luís Eduardo, José Serra e outros, o maior beneficiário foi o candidato ao senado, Antônio Carlos Magalhães, que recebeu 1,1 milhão de dólares.

Antônio Carlos formou uma espécie de oligarquia na Bahia, composta por parentes e "aprendizes do carlismo". Durante o governo de Paulo Souto (2005), a Bahiatursa esteve envolvida com o repasse de verbas públicas, num valor de 101 milhões de reais, para a Propeg e para a ONG Oficina das Artes. O Tribunal de Contas da Bahia detectou essa movimentação financeira numa conta não declarada ao erário baiano. Naquele momento, ACM Neto combateu de forma veemente qualquer tentativa de instalação de uma CPI. Em 2002, houve o "escândalo dos grampos telefônicos", mais um episódio que envolvia ACM, adversários políticos e até a ex-amante e o seu marido; percebe-se o comportamento sórdido do pretenso rei da Bahia.

O rei se foi, derrotado, cabisbaixo, como na foto** depois da derrota do seu aprendiz Paulo Souto, que concorria ao governo da Bahia contra Jacques Wagner, em 2006. Essa derrota foi em vida, em plena atividade política. Após sua morte, boa parte da mídia baiana dedicou-se a fortalecer o seu herdeiro ACM Neto, conhecido como "Grampinho", fato relacionado aos grampos telefônicos encomendados por ACM, seu avô e chefe da oligarquia.

ACM Neto não fugiu à regra do "carlismo". Muitas promessas ilusórias, muita propaganda e um governo voltado para as elites, ocultando ou mascarando os reais problemas enfrentados pela população mais carente de Salvador. Durante a campanha eleitoral para a prefeitura ACM Neto prometeu o metrô até o municípo de Lauro de Freitas e Cajazeiras, bairro extremamente populoso e com graves problemas estruturais. Mal assumiu a prefeitura e tratou de entregar as obras do metrô para o governo Wagner, que já pôs uma fase do equipamento para funcionar. Prometeu a revitalização da Estação Lapa, agora busca privatizá-la. Prometeu austeridade em relação aos cofres públicos e fez um réveillon pagando um cachê de 600.000 mil reais a Caetano Veloso. A metade do valor saiu da prefeitura, e não como o prefeito tinha afirmado que seria totalmente de responsabilidade dos patrocinadores. Os R$ 100 milhões para a revitalização da Barra contrastam com os parcos investimentos nas periferias. Contrariando o seu compromisso de que só trabalharia com "fichas limpas", colocou como seu secretário da fazenda Mauro Ricardo, ligado à administração de Gilberto Kassab (São Paulo) e denunciado no escândalo da "Máfia dos Fiscais". Nomeou, ainda, Kátia Alves para comandar a Limpurb. Nesse caso, a ex-delegada era a secretária de segurança quando ocorreram os grampos encomendados por ACM e o aparelhamento da referida secretaria para que o ato ilícito fosse realizado. Maurício Trindade, nomeado secretário da Assistência Social, responde à processo, no STF, por tráfico de influência quando ainda era vereador. Ele exigiu da empresa Nutrial o pagamento de 15% de um contrato que seria fechado com a secretaria de saúde, durante o governo de Imbassahy.

Ao contrário de líderes políticos formados nas bases populares, a mídia elitista insiste em fabricar políticos sem qualquer compromisso social, comprometendo princípios democráticos e republicanos. Não é demasiado exagero considerar a imprensa como o quarto poder, infelizmente. Contudo, esse quarto poder sente-se incomodado com a mídia eletrônica e sua capacidade de penetração na sociedade. Um instrumento que, se bem usado, poderá ampliar os horizontes daqueles que não se contentam com a pregação vexatória da Veja, da Globo, do Estadão, da Folha e de outros órgãos da imprensa. Em relação ao "carlismo", finalizo parafraseando o grande jornalista e professor João Carlos Teixeira Gomes: "o carlismo é a expressão política de uma enfermidade emocional".


*Braulio Ribeiro, diretor e um dos fundadores do Jornal da Bahia. Atualmente atuando em outro segmento, permanece como uma fonte inestimável da história política da Bahia.

**Foto publicada na galeria deste site.


Marcelo Ribeiro